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Missão sindical e testemunha de fatos históricos: a memória do jornalista Lucídio Castelo Branco

“Eu me considero um piaúcho”, sorri Lucídio Castelo Branco, jornalista aposentado e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), durante conversa em sua casa, no bairro Bela Vista, em Porto Alegre. Nascido em Teresina, no Piauí, em 13 de novembro de 1926, o profissional morou no Rio de Janeiro, à época capital do país, e mudou-se para Porto Alegre, em 1949, após passar em um concurso público para escrivão da Justiça Militar.

 

“Vim aqui para melhorar de vida”, afirma Castelinho, que é viúvo de Lina Maria Castelo Branco, pai de três filhos e bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

Hoje, aos 90 anos, mantém-se lúcido e gosta de falar sobre a atuação de outrora. Por mais que tenha trabalhado durante uma década como escrivão e posteriormente como procurador federal – profissão que lhe proporciona conforto em sua aposentadoria –, a paixão está no jornalismo, desempenhado até o fim da década de 1980.

 

“Em 1945, quando entrei pela primeira vez no jornal, a única pessoa datilógrafa era eu. Os outros escreviam à mão, em caneta para molhar no tinteiro”, lembra Castelo Branco, que trabalhou no jornal A Vanguarda, no Rio de Janeiro.

 

No Rio Grande do Sul, desempenhou a função de repórter político da Folha da Tarde, veículo da Caldas Júnior para o qual escreveu até 1969. A partir de 1961, também exerceu a atribuição de correspondente do Jornal do Brasil no Estado, até 1964, quando instalou a sucursal gaúcha do JB, a qual passou a chefiar.

 

Em 1979, instalou a Rádio Cidade FM, do Sistema JB, a qual dirigiu, e, cinco anos depois, foi promovido ao cargo de diretor regional do JB, com jurisdição sobre os Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

 

“O Castelinho era um cara bem afável, de bom convívio. Era um daqueles chefes de redação amistoso, compreensivo com o subordinado. Na época era raro, pois a maioria era truculento, berrava na redação, dizia palavrão”, recorda José Carlos Torves, jornalista e igualmente ex-presidente do SINDJORS.

 

Memória contada

 

Parcela da trajetória profissional de Castelo Branco está eternizada no livro Da memória de um repórter, de sua autoria, lançado em 2002. Nele, podemos acompanhar os bastidores da política brasileira, principalmente em sua época mais conturbada: a ditadura militar.

 

“O Rio Grande do Sul é um Estado feliz em matéria de homens públicos”, enfatiza o jornalista. Castelinho foi testemunha ocular de momentos marcantes, como todo o conflito desencadeado após a renúncia de Jânio Quadros. Acompanhou de perto o governador Leonel Brizola no movimento da Legalidade e viajou para o Uruguai para encontrar João Goulart, que corria o risco de não ser empossado novo presidente do Brasil. Lá, foi chamado pelo deputado estadual Pedro Gonzáles, que o levou à presença de Jango, para ocupar a função de secretário de Imprensa da Presidência da República no exílio.

 

Outro grande fato é seu furo nacional sobre a reunião entre o ex-presidente Getúlio Vargas e o deputado Nereu Ramos, na estância da família Vargas. O catarinense Ramos, que era presidente do PSD e da Câmara dos Deputados à época, queria apoio para sua candidatura à presidência da República. Quando os colegas jornalistas do Rio e de São Paulo desceram em Porto Alegre para reabastecer o avião, presenciaram Castelinho entregar um exemplar da Folha da Tarde a Ramos com a reportagem e as entrevistas que haviam sido concedidas na manhã daquele dia.

 

Atuação sindical

 

Como presidente do SINDJORS, entre 1966 e 1968, Castelo Branco eliminou os falsos profissionais do quadro de sindicalizados, entre eles o então ministro da Educação Tarso Dutra e o cardeal Vicente Scherer, e comprou uma sede própria para o sindicato na Rua dos Andradas, utilizada ainda hoje.

 

“Transformei de fato aquela associação em sindicato”, afirma o profissional, que, como presidente, visitou colegas e amigos presos pela ditadura, algo que o fez sofrer.

 

Sua boa gestão levou-o à presidência da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em 1968. À frente dela, teve como principais realizações a transferência da entidade para Brasília e todo seu esforço para que ocorresse a assinatura do Decreto-Lei 972, em 17 de outubro de 1969, regulamentando a profissão de jornalista.

 

“A maior conquista dos jornalistas no século XX brasileiro, a regulamentação da profissão, passou pelas suas mãos. Consolidou-se pelo acordo que ele soube articular com o então ministro Jarbas Passarinho”, pontua o jornalista e escritor Walter Galvani na apresentação de Da memória de um repórter.

 

“Jarbas Passarinho, apesar de usar um uniforme quadrado e verde, era um homem de bem. Foi ele que conseguiu tirar do Congresso o projeto de regulamentação do jornalismo e fazer os três generais da junta militar assinarem”, diz Castelo Branco. “A classe ficou muito quebrada depois que tiraram a lei, que foi caçada ditatorialmente dentro do regime democrático”, acrescenta.

 

Sobre sua atuação sindical, ressalta a importância da entidade em sua vida. “O sindicato acrescentou muita experiência, vivência, necessidade de solidariedade entre as pessoas. Ser diretor de sindicato é uma missão. O que eu podia ter feito pelo sindicato eu fiz, e sinto muito orgulho de ter sido presidente”, sintetiza Castelo Branco, que, na visão de José Carlos Torves, é resumido como uma figura doce.

 

Texto: Douglas Roehrs / Sindjors

Publicada em 14/09/2017 03:00


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