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Paineis temáticos do 1º EGDC apontam desafios e caminhos para democratizar a comunicação

Quatro painéis temáticos simultâneos foram realizados no início da tarde de sábado (28), no segundo dia do 1º Encontro Gaúcho pelo Direito à Comunicação (EGDC), no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.

O evento foi promovido pelo Comitê Gaúcho do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com o apoio da Fabico e de várias entidades sindicais e movimentos sociais. Mais de 90 comunicadores participaram, dentre jornalistas, estudantes, professores de Comunicação e dirigentes sindicais.

O objetivo foi aprofundar o debate sobre temas que envolvem o monopólio e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários, o desmonte da comunicação pública, a luta contra o racismo e a discriminação de gênero, e os desafios da comunicação comunitária e alternativa.

 1. O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários

“Somos fortes, estamos todos os dias nos locais de trabalho, nas escolas, nas portas de fábricas, então eles nos atacam. Por isso, a Reforma Trabalhista veio para cima dos sindicatos”, disse o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, que foi um dos painelistas.  “Eles não vão parar por aqui. A linha editorial da grande mídia ataca os movimentos sindical e sociais”, afirmou ao alertar que, se forem legitimados pelas urnas em 2018, eles virão com tudo.

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Para Nespolo, “estamos numa brutal resistência. A elite brasileira tem vocação para ser mandada, não tem vocação pra dirigir as reformas liberais. Nossa elite é preguiçosa e burra, mas está montada na mídia. A grande imprensa está a serviço dessa elite que prefere assaltar o estado, fazer negócio com a coisa pública”.

Ele também chamou atenção para a atual cobertura da imprensa. “Quase não há mais programas de debates e hoje alguns veículos não nos entregam mais o microfone, gravam e editam”.

O dirigente da CUT-RS convocou os participantes para se somarem às atividades do dia 10 de novembro, quando às 16h, haverá um abraço ao prédio da Justiça do Trabalho, na Avenida Praia de Belas, seguido de uma caminhada até a Esquina Democrática, onde ocorrerá, às 18h, o ato unitário das centrais sindicais.

O diretor da CTB-RS, Igor Pereira, destacou a natureza da crise. “O capitalismo está em crise e nem eles sabem o que fazer, pois em 1964 havia um elemento que sustentava o golpe, que foi o milagre econômico da década de 70, mas hoje não tem”, comparou.

A mídia, segundo Igor, é a grande articuladora desse processo. “Gramsci já falava que, quando o capital não consegue organizar um partido político, a imprensa cumpre esse papel”, recordou ao abordar a campanha a favor das reformas  trabalhista e previdenciária. “O que nos cabe é o acúmulo de forças e a universidade é importante porque sempre foi um espaço de referência e de reflexão política”.

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Para o advogado trabalhista, Antonio Carlos Porto Júnior, o debate da democratização “é nevrálgico em todo mundo”. Ele citou os dois furacões que passaram pelo Caribe recentemente e comparou a cobertura midiática dada aos Estados Unidos em relação a outros países da América Central. “Cerca de 80% da população de Porto Rico ainda está sem luz e água. E ninguém sabe disso e é absurdo pensar que isso não é divulgado”, criticou..

Segundo Porto, é fundamental pensar o controle da mídia. “Depois da segunda guerra mundial, parece que mídia não tão unilateral até o ponto de virada, que foi a guerra do Vietnã”, lembrou. O advogado avalia que, a partir das guerras do Vietnã e do Golfo, a imprensa passou a construir um novo cenário e a se configurar como é atualmente.

“A mídia, hoje, transita entre o entretenimento e o merchandising”, classificou o advogado. “E tem um papel central na luta de classes. Funciona como um estado maior de uma guerra”, continuou. Ele acredita que o mais preocupante é não poder mais falar o que se pensa. “É uma falta de liberdade de consciência, do nosso direito de opinião”, frisou.

2. O desmonte da comunicação pública

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, MIlton Simas, a professora da Fabico da UFRGS, Maria Helena Weber, a Milena, e a jornalista e integrante do Movimento dos Servidores da Fundação Piratini, Cristina Charão, foram os painelistas.

Milena integra o Núcleo da Comunicação Pública e Política da Universidade. Quase sem voz, ela dividiu a sua explanação com a colega Ana Javez Luz, que também atua no Observatório da Comunicação Pública (Obcomp). “O cenário hoje é de uma comunicação pública sendo utilizada não como um segmento do Estado e de interesse público, mas de interesses públicos e interesses privados”, disse.

“O espaço do Obcomp (www.obcomp.ufrgs.br) está à disposição para publicação de textos e opiniões sobre a comunicação em nosso país, também serve como um instrumento de discussão do segmento”, informou Ana Javez.

Simas contextualizou o cenário de destruição da comunicação pública no Estado patrocinada pelo governador José Ivo Sartori. “A grande fake news foi patrocinada pelo governador, que divulgou para a sociedade e à Assembleia Legislativa de que a extinção das fundações era questão de economia, mas os próprios procuradores afirmaram o contrário em reunião de mediação no TRT (Tribunal Regional do Trabalho). Ele enganou a população e os deputados com esse discurso vazio”, apontou. “Os servidores estão sendo perseguidos, assediados e vivem em constante pressão psicológica”, denunciou o dirigente sindical.

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Charão, que também é servidora da TVE, apontou que o desmonte da comunicação é mais um capítulo do golpe em curso no Brasil. “Com um discurso de modernização do Estado, o Piratini promove uma forte intervenção no conteúdo da televisão pública, além de sua desconstrução”, relatou. A jornalista apontou, ainda, que para 2018 a Fundação tem o maior orçamento de sua história. “São R$ 48 milhões em um ano eleitoral, justamente para uma emissora que está em processo de extinção. No mínimo, uma ação duvidosa”, completou.

3. A mídia e a luta contra o racismo e a discriminação de gênero

Três jornalistas debateram os motivos pelos quais a representação de mulheres e negros ocorre por um viés ainda carregado de discriminação. Vera Daisy Barcellos, presidenta da Comissão Nacional de Ética da Fenaj, Sandra de Deus, jornalista e professora da UFRGS, e Télia Negrão, jornalista e ex-coordenadora do Coletivo Feminino Plural, analisaram não apenas a representação das mulheres na reportagem, que, segundo elas, ocorre, sobretudo no caso dos negros, pela ausência de profissionais na comunicação de massa.

Para Sandra de Deus, mesmo após as políticas de ações afirmativas, os jornalistas negros e negras, formados, não têm encontrado lugar no mercado e são alvos de discriminação. “Falo de um lugar privilegiado. Mas, mesmo as mulheres negras que estão em um lugar privilegiado, se queixam de invisibilidade na mídia e no mercado de trabalho. Ás vezes, é o olhar. E olha, às vezes, é pior do que dizer. Quando me formei em jornalismo, em 1980, não era tão acirrado o racismo, mas hoje é muito presente no jornalismo”, explicou a professora, que é Pró-Reitora de Extensão na UFRGS e única professora negra do Curso de Jornalismo da Fabico da UFRGS.

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Vera Daisy referiu que o racismo remonta há 300 anos no Brasil e ainda está presente na nossa sociedade. “Este é um país extremamente racista. E isso não começa recentemente. Começa quando fomos retirados da África. Há negros e negras na televisão? Poucos. Nossas crianças negras não têm identidade. Como somos mostrados nessa mídia?”, questionou. Ela lembrou da história de luta do Sindicato dos Jornalistas contra o racismo e pela valorização profissional dos negros.

Para Telia Negrão, a mídia reproduz esquemas culturais introjetados na cultura nacional, formando um campo simbólico que tem na escravidão, na exploração da mão de obra e no patrimonialismo os seus fundamentos. “Esse universo simbólico é muito forte. E aí eu acho que entra o papel da mídia. Qual é esse papel? É de formação do campo simbólico. Se os valores da sociedade são o machismo, o racismo, a exploração, a tolerância do uso do que é público como privado, é mais fácil referendar aquilo que vocês chamam de notícia. Isso é enquadramento”, postulou.

4. Desafios da comunicação comunitária e alternativa

“Em 2010, durante uma oficina da Semana Acadêmica da Comunicação da Universidade, montamos uma rádio e teve todo seu conteúdo mantido pelos estudantes. A ideia deu tão certo que conseguimos lançar em 2011 o NUCC – Núcleo de Comunicação Comunitária, espaço para debater a democratização da comunicação, a educomunicação e, obviamente, a comunicação comunitária”., afirmou a professora e vice-diretora da Fabico da UFRGS, IlzaGirardi.

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Ela ressaltou que “para fazer comunicação comunitária é necessário perder o medo de entrar em todos os lugares do município. Os moradores das periferias só se enxergam nos jornais como bandidos. Será que não existem outras histórias que podemos mostrar? Temos o desafio de ouvir essas vozes silenciosas”. A professora ainda afirmou ser necessário aumentar o debate na sala de aula, e que as rádios comunitárias são as ações importantes para a democratização da comunicação.

Fundador do Correria e hoje repórter da TVT, o jornalista Guilherme Fernandes de Oliveira dividiu com os participantes o início do seu projeto em Porto Alegre e as grandes dificuldades enfrentadas diariamente. “Em abril de 2015 criamos o Correria, pois o povo das periferias sofria com a violência policial e não tinha um canal para denunciar. Iniciamos com a cobertura de uma manifestação no condomínio Princesa Isabel, que sofreu com uma abordagem policial violenta e inclusive com tortura. A partir daí cobrimos os principais acontecimentos protagonizados pela classe trabalhadora”.

Guilherme Oliveira

Guilherme contou que foram aproximadamente 50 programas do Correria até nascer a parceria com a TVT. “Hoje chegamos na TV aberta, mas foi um longo caminho. O RS é o único estado que mantém a equipe com recursos próprios e enviamos uma matéria por dia, que é veiculada em todo o País. Com a reforma trabalhista, a tendência é que piore a situação e aí começa um novo desafio”. Ele ainda observou que “há um setor que está sem comunicação. Precisamos estudar alternativas e criar maneiras para atingir essa classe desassistida, além de tornar a comunicação alternativa interessante para quem sai da universidade”.

“Como não se tornar refém das mesmas pautas? Como fugir do mesmo olhar da mídia tradicional?”. Esses questionamentos foram feitos pelo jornalista Luís Eduardo Gomes, do Sul 21. “Nós somos a alternativa aos principais grupos de comunicação privados, que passam apenas a imagem que é interessante para eles. Há cenários criados pela mídia tradicional e a mídia alternativa existe para desmentir muitas informações veiculadas”.

Luís expôs como grande desafio diário cobrir as pautas com outro viés, dando voz para as pessoas que não são ouvidas pelos grandes grupos de comunicação. “Alguém apura o que as fontes oficiais dizem? Nós invertemos a lógica da grande mídia. Sempre há o outro lado, a outra versão, e isto é ser e fazer uma comunicação alternativa, buscando outras fontes”.

Luís Eduardo

O jornalista fez também uma mea culpa sobre a falta de serviços nas comunidades. “Até pela questão financeira ficamos mais na parte central, mas este é um desafio que estamos enfrentando, que é expandir a cobertura de pautas. É difícil, mas temos que tentar”, finalizou.

O painel ainda debateu a importância do trabalho realizado pelas rádios comunitárias; a necessidade de investimento por parte das entidades sindicais nas mídias alternativas, e não apenas nas tradicionais; e a necessidade de as mídias alternativas e comunitárias buscarem novos caminhos para driblar a crise financeira que deve se agravar com a reforma trabalhista.

 

Fonte: CUT-RS com Renata Machado, Milton Simas, Clovis Victoria Jr. e Paulo Henrique

Publicada em 31/10/2017 02:00


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